O CÍRIO PASCAL
O simbolismo da luz Quando a luz vai despontando devagarinho no amanhecer, dá aos poucos, forma, cor, brilho, esplendor, movimento e vida à toda a criação. Vai dissipando as trevas e fecundando o cosmos, cumulando tudo de energia e vida. Tocados pela magia da luz, podemos brilhar de novo. Nascer, discernir, transfigurar … e vir à luz, receber a luz … Na liturgia, os simbolismos ‘luz-chama’, ‘iluminar-arder’ quase sempre são encontrados juntos. Usa-se acender velas todas as vezes que a comunidade se reúne para celebrar.
Dados históricos da liturgia da luz Em meio a todos os simbolismos decorrentes da luz e do fogo, o círio pascal é a expressão mais forte por causa da riqueza de significados colhidos das raízes bíblico-judaico. Lembra a luz da páscoa judaica que é celebrada na primeira lua cheia da primavera, como também a bênção da luz que a mãe fazia ao ascender as velas na noite do sábado, nas famílias judaicas. O fogo, a luz na noite pascal sempre estiveram presentes na liturgia cristã, mesmo que não de modo uniforme em todas as regiões. O uso da bênção do fogo é de origem irlandesa, certamente a cristianização de um costume pagão de ascender uma fogueira na primavera, a fim de obter da divindade uma rica colheita dos frutos da terra. Os cristãos, para iluminar as basílicas, ascendiam um fogo, do qual extraiam luz. Este rito foi oficializado no século XII, porém ainda predomina a dimensão folclórico-religiosa dos países do norte. É importante destacar que, na liturgia cristã, sempre houve a preocupação de iluminar a noite pascal com muitas luzes. Quanto ao uso do círio, houve no decorrer da história, diferentes maneiras de usá-lo, até chegarmos ao costume atual. Neste pequeno texto não é possível desenvolver detalhadamente sua evolução. A proclamação da páscoa ou o Exulte, aparecerá sob diversas formas, apenas no fim do século IV. É assim intitulado devido a palavra em que se inicia ‘Exulte o céu …‘. Certamente, o ritual do acendimento e saudação da luz dos primeiros tempos do cristianismo, realizado no fim do dia, deve ter influenciado este belo hino altamente poético, que utilizando imagens bíblicas, canta numa solene ação de graças, as maravilhas operadas por Deus em todos os tempos e lugares.
Noite mil vezes feliz … na luz de Cristo glorioso, exultemos de alegria É noite de sábado, celebração da vigília pascal, ‘mãe de todas as vigílias’. A comunidade celebrante vai se reunindo ao ar livre, em volta da fogueira que arde na escuridão da noite da ‘passagem’ das trevas para a luz, para dar início a liturgia da luz. Entoa-se um refrão para ir reunindo as pessoas: Mesmo as trevas, não são trevas para ti, a noite é luminosa como o dia, ou músicas que cantam a esperança: Hoje, eu quero a rosa … Os meninos em volta da fogueira … Liberdade vem e canta … O círio é trazido. O animador motiva a comunidade para celebrar, em seguida, o presidente saúda o povo. Após benzer o fogo grava-se na grande vela uma cruz, o ano em curso, a primeira e última letra do alfabeto: A e Z. Enquanto realiza-se os gestos, Cristo é proclamado como o Senhor de ontem e de hoje, o princípio e o fim, a quem pertence o tempo e a eternidade, a glória e o poder, pelos séculos sem fim. Ele venceu a morte, por isso suas chagas são gloriosas. Então o fogo novo acende o círio pascal que é erguido na escuridão da noite: A luz de Cristo que ressuscitou resplandecente, dissipe as trevas do nosso coração e de toda a nossa vida. Em seguida, o presidente proclama cantando: Eis a luz de Cristo. O povo responde: Demos graças a Deus. Depois do círio ser erguido e aclamado pela segunda vez, as pequenas velas do povo são acesas na luz do Cristo. E, como o antigo Israel era guiado no deserto, durante a noite por uma coluna de fogo (Ex 13, 21), também nós, novo Israel, caminhamos iluminados e guiados por Cristo ressuscitado, presente no sinal do círio aceso. A procissão avança nas trevas e vai se aproximando pouco a pouco do altar. É o povo de Deus em caminhada para a Terra Prometida, guiado e iluminado pela coluna de fogo, o Cristo, que nos transforma em filhos e filhas da luz, como será proclamado e experienciado na liturgia batismal. Ao chegar diante do altar mais uma vez o círio é elevado e proclamado. Ao seu redor, em meio a luzes, incenso, danças e ao som de instrumentos entoa-se o ‘Exultet’ que começa com um grande convite ao céu e à terra para que se unam na celebração da grande maravilha realizada na história. É uma noite especial porque ’em círio de virgem cera’ se acende no seio da Igreja uma esperança imortal, esperança que decorre de tudo quanto nesta noite aconteceu ao longo de toda a história da Salvação: a libertação do povo do Egito; a vitória de Cristo sobre a morte; o infinito amor do Pai que entregou seu próprio filho pela Salvação de todos, ressuscitando-o dos mortos, nos tirando das trevas e da morte … Por todos os feitos que Deus realizou e continua realizando, o povo bendiz: Bendito seja Cristo, Senhor, que é do Pai imortal, esplendor!
Da morte para a vida O círio aceso é memorial da páscoa. Ele possui uma pura fonte de luz. Aos poucos vai queimando e iluminando, exprimindo uma vida inteiramente consagrada ao amor, único e total.
As velas choram enquanto iluminam. Para brilhar elas se gastam e morrem aos poucos. Desta forma, nos sinais sensíveis do círio pascal, da noite da escuridão para a claridade, dos gestos, cantos … aparece a outra realidade, isto é, fazemos a experiência da plenitude da alegria pascal, que se manifesta pela presença do Cristo ressuscitado, aniquilador da morte e fonte eterna de luz que clareia as nossas trevas e que nos arranca da morte, dando-nos vida em plenitude.
O círio pascal será aceso em todas as celebrações do tempo pascal até a festa de pentecostes, o cume da páscoa. É aceso também nas celebrações batismais. O fogo novo ascende as velas de modo que todos os batizados caminhem na vida, iluminados por Cristo, como filhos da luz. Também por ocasião da morte de um cristão, suas chamas iluminam. Estes dois momentos da vida explicitam mais claramente a passagem pascal: da morte para a vida. Há comunidades que costumam ascendê-lo nas celebrações dominicais (menos no advento e na quaresma), pois a cada domingo celebramos a páscoa semanal.
(Veronice Fernandes e Slde Coldebella, Irmãs Pias Discípulas do Divino Mestre)